segunda-feira, novembro 22, 2004

 

Certezas da vida

Há quem diga que, na vida, só há uma certeza absoluta desde o dia que nascemos e que é a morte.
Pois bem, no decorrer da época de 2004/05 do campeonato nacional de futebol da 1ª Divisão (chamem-lhe o que quiserem, Superliga, 1ª Liga, Tugaliga, não interessa), nasceram mais duas certezas:
1º- Todos temos a certeza que o Sporting Clube de Portugal irá dar sempre uma resposta cabal em cada jogo que faça na Superliga, independentemente do resultado, calando assim todos os seus delatores, todos os seus severos críticos, todas as faces do sistema.
2º- Este Benfica não vai ser campeão esta época.

Quanto à primeira certeza não me vou alongar muito.
José Peseiro é o novo homem forte do futebol do Sporting, tem um discurso muito interessante, que rivaliza o de José Mourinho.
Infelizmente para ele, Peseiro, falta que as suas palavras tenham aderência à realidade. Um pequeno pormenor.
Peseiro vive no mesmo mundo daqueles que “apostam” no Totobola com treze triplas: independemente do resultado, ganham sempre. E, por isso mesmo, nem precisam de ver o jogo para preparem o seu discurso vitorioso.
Ou pior, tem uma teimosia desmesurada em usar o mesmo discurso, tal como o seu dirigente usa teimosamente sempre um cachecol, façam 0º ou 45º.
Facto é que Peseiro tem “bom material” para trabalhar no plantel do Sporting, tal como Fernandéz no Porto.
Mais, Peseiro tem uma herança fácil de superar, dado que o seu antecessor, Engº Fernando Santos, nada conquistou no SCP.
Acredito que o Sporting possa lutar pelo título, mas Peseiro vai ter que evoluir não tanto em termos tácticos, mais (muito mais) em liderança do seu “grupo de trabalho”. E isso passa tanto pelo discurso para dentro como pelo discurso para fora.

Passemos à minha 2ª certeza, a do Benfica não ser campeão esta época.
Basta ver a forma como ontem, contra o Rio Ave na Luz (!!!!) o Benfica conquistou um precioso ponto. Numa jornada em que uma vitória dar-lhe-ia de novo a liderança, “oferecida” numa bandeja de prata, num jogo em que esteve por duas vezes em vantagem por dois golos de diferença, num encontro em que conseguiu marcar três (sim, é verdade três) golos.
Mas volto a dizer, o Benfica conquistou um ponto porque, em jogo jogado, o Rio Ave esteve melhor e merecia a vitória. Essa é a dura realidade.
E não vai ser porque (1)não tem qualidade suficiente no plantel, (2)não tem “estofo de campeão”, (3)tem uma “massa” associativa excessivamente exigente e, talvez a mais importante, (4)não tem qualquer tipo de projecto a médio prazo.

1) Em relação ao plantel do Benfica tem jogadores de qualidade - Simão, Petit, Miguel, Moreira, Luizão - e tem jogadores acima da média - Nuno Gomes, Manuel Fernandes, Ricardo Rocha, Karadas, Sokota, Fyssas (reconheço que alguns destes nomes são discutíveis, mas tratam-se de jogadores que já mostraram “serviço” e “serviço de qualidade”).
Depois tem outros jogadores que por lá andam que, ou têm qualidade mas nunca chegam / chegarão a suportar o peso da camisola ou não têm qualidade pura e simplesmente. Daquilo que vi no jogo de ontem achei que não havia nenhuma opção evidente para o “Trappa” tomar que pudesse inverter o rumo do jogo. Achei, isso sim, que o “onze” escalonado para o jogo devia e podia dar conta do recado.
2) Isso leva-me ao segundo ponto que é o de termos uma equipa sem estofo. Isso resulta não só da falta de qualidade no plantel mas também da falta de capacidade de motivação, de liderança dentro e fora do relvado.
Dentro do relvado, o Benfica tem um craque na equipa que não é um líder, nem nunca será. O Simão é um excelente jogador, que está muitos furos acima de qualquer outro jogador que está (ou esteve nos últimos 10 anos) no Benfica. Mas não é líder, não é capitão, nem nunca será. Por isso, não se deve exigir isso dele. E ontem, pelo andamento do marcador, com um líder forte dentro do campo, uma equipa nunca se desmoronaria daquela forma.
Fora do relvado tem um treinador com um dos melhores currículos do Mundo que já está em curva descendente na sua carreira. Tem uma visão do futebol defensiva e cima de tudo, não aparenta criar qualquer tipo de empatia com os jogadores.
O que Trappa aparenta ter a mais do que Camacho (cultura táctica, fruto do seu “currículo” inquestionavelmente valioso) não parece compensar a incapacidade em motivar os jogadores, em imbuí-los de uma mentalidade ganhadora. É evidente que é importante estarmos alerto para os “perigos” quando estamos lá em cima, como “Trappa” sistematicamente alerta. Mas não devemos ter qualquer receio de lá estar. Quer se queira, quer não, pressão existe e existirá sempre em alta competição. E para se ser vencedor tem que se saber conviver com essa pressão.
A atitude demonstrada pelos jogadores em campo foi a de um enorme pânico em desaproveitar a oportunidade de vencer o jogo e tornar-se líder isolado do campeonato. A atitude que deveriam ter tido era de uma enorme vontade em vencer o jogo e tornar-se líder isolado do campeonato.
E essa atitude tem que ser incutida pelo treinador.

3) O terceiro aspecto está relacionado com a “massa” associativa, com o seu grau de exigência.
Na última época em que segui o Benfica indo à Luz sistematica foi, por sinal, a época em que fomos campeões. Lembro-me do sofrimento vivido em cada jogo pelos jogadores, pelo treinador, pelos sócios, pelos apoiantes. Ganhámos vários jogos nos últimos minutos, estávamos com a “estrelinha” de campeão.
Mas tínhamos jogadores de qualidade, tínhamos um técnico com “carisma” (fosse ele natural ou ajudado álcool) e tínhamos um público que apoiava a equipa.
Jogar na Luz era um drama para as outras equipas.
Hoje em dia isso não se passa. Na verdade, desde há 10 anos que isso não se passa.
O Benfica fez, nas últimas três temporadas, tão bons (ou até melhores) resultados fora do que na Luz.
Estranho? Eu acho que não.
O Benfica não é (muito) assobiado e muito menos contestado quando joga fora, tem até bastante apoio (excluíndo Alvalade, Antas, Guimarães e Setúbal, parece-me). Diria até que é regularmente bem apoiado.
Curiosamente, na Luz, em todos os jogos que eu me recordo ter ido ver nas últimas épocas (Moreirense, Nacional, Herenveen, Marítimo, Molde, Rosenborg entre outros), os apoiantes do Benfica nunca conseguem estar com a equipa os 90 minutos. Nem 60 minutos. Nem 30.
Não me lembro de ver nenhuma equipa campeã, com um público numeroso que não a apoia. A não ser o Boavista.
Se essa incapacidade em estar com a equipa é reflexo do fraco futebol demonstrada não sei e, honestamente, nem é esse o ponto. O ponto é que quando a equipa não está bem precisa dos seus apoiantes, do seu público para dar a volta por cima, para resolver a situação.
E nesses momentos, o Benfica não pode contar com o seu público, tal como ele se encontra.

4) Isto leva-me a última das debilidades (para mim, a principal) Benficae que é a de haver uma aparente ausência de projectoa médio prazo.
Eu acredito que o Benfica, conduzido de uma forma capaz, possa ambicionar a estar entre o cinco maiores da Europa.
Tem um número muito significativo de apoiantes, movimenta muito dinheiro, tem uma marca forte (mesmo a nível internacional) e uma tradição no futebol equiparável a poucos clubes a nível mundial.
Não se compreende, por isso, o porquê do autêntico descalabro que têm sido estes últimos 10 anos. A não ser que se façam algumas perguntas, eventualmente pertinentes.
Formação de novos talentos? Há quanto tempo o Benfica não faz um “craque”?
Moreira, Manuel Fernandes e Hugo Leal, a níveis diferentes foram do melhorzinho que saíu do Benfica neste período.
Política de aquisição de jogadores? Com a instabilidade ao nível dos treinadores, com os interesses instalados ao nível directivo e com um poder financeiro muitoo enfraquecido, contam-se pelos dedos das mãos as “boas contratações” feitas pelo Benfica. E contam-se pelos dedos de uma mão as contratações de verdadeira qualidade feitas neste período – Preud’Homme, Enke, Van Hooidjonk, Simão, Nuno Gomes. Falta talvez o Gamarra, mas nem deu para aquecer o lugar...
Gestão da Comunicação Social? Quantas “vozes” conhecem no FCP? Eu lembro-me de uma.
No Benfica conheço / conheci várias, porque regularmente aparece / aparecia uma nova - António Sala, José M. Antunes, Cunha Leal, Ribeiro Soares, JVA, LF Vieira, José Veiga, Vítor Santos, João Malheiro. Quem é que manda neste Benfica?
Centro de estágio? Qual é o problema em ter um (um??!!!) campo de treinos próprio? Aparentemente deve haver algum porque o Benfica não tem. E nesta época voltámos a ter muitos jogadores lesionados. Coincidência?
Gestão do património? O Benfica é um clube que vive dificuldades financeiras e depende, por isso, do sistema finaceiro. Por quanto tempo conseguiremos ter credibilidade junto deste sistema, tendo delapidado os Milhões de contos (e muitos mais euros) de patrimónios nestes últimos anos. Nem o condicionamento de receitas futuras – que ainda não tivemos(!!!) – nos safará nessa altura.
Deixo-vos aqui a minha visão, construída no calor do momento, e com mais uma (a última certeza): espero, sinceramente, estar completamente enganado quanto à minha certeza do Benfica.

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