segunda-feira, janeiro 10, 2005

 

Um desastre anunciado

Menciona-se hoje na imprensa desportiva, com algum espanto, que o Benfica está em queda vertiginosa, tendo apenas ganho quatro dos últimos 11 jogos e não vencendo fora desde 3 de Outubro (!!). Isto após um período de estado de graça em que ocupou regularmente o primeiro lugar, chegando a uma vantagem com algum conforto.
A referida queda só constituirá uma surpresa para quem não seguiu atentamente os jogos do Benfica nessa fase e para quem ainda não percebeu como funciona a cabeça de Trapattoni. Quem, como eu, foi assiduamente ao estádio da Luz ver os jogos em casa e seguiu atentamente os jogos fora pela TV estava perfeitamente ciente que era apenas uma questão de tempo até isto acontecer. Isto porque as vitórias que se registavam eram elas próprias conseguidas (tirando uma ou duas excepções) num espírito geral de mediocridade, segurando, com medo, parcos resultados contra equipas claramente inferiores e sem valor, com recurso a um futebol feio, desconexo e que parecia claramente fortuito nas coisas boas. Tratava-se de uma liderança artificial e fantasma.
As minhas críticas públicas a Trapattoni são conhecidas. É um treinador sem alma e muito pouco inteligente a nível emocional. Sintomático disso mesmo é a sua absoluta falta de empatia com os adeptos (a quem ele não reconhece ‘cultura táctica’)e o facto de não perceber que isso é uma parte muito importante do que significa ser treinador de um clube ‘grande’. Mas mais grave que a falta de empatia com os adeptos é a absoluta e total falta de empatia que demonstra com os jogadores, não detendo a mínima capacidade de motivação destes.
Trapattoni foi um bom treinador (nunca muito agradável de seguir, mas um bom treinador) porque treinou equipas compostas por excelentes jogadores, em que a táctica do ‘colocar em campos os melhores jogadores e eles devem resolver o assunto’ era uma táctica adequada. A equipa do Benfica não é composta de grandes jogadores, temos de o perceber. Exige outro tipo de aproximação e de estratégia.
Um bom treinador, um treinador inteligente, faz um diagnóstico das situações e escolhe os métodos e estratégia adequadas. Percebe o tipo de matéria-prima com que tem de trabalhar e age em consonância, adaptando os seus métodos e estratégias, redescobrindo no processo as suas próprias convicções e, porque não, aprendendo com esse mesmo processo.
Trapattoni é um erro de casting. Um diagnóstico inteligente do estado de maturação da equipa do Benfica no final da época passada demonstraria que um treinador como Trapattoni era um erro.
E é um erro que acontece na pior altura. Havia uma equipa fabricada por um trabalho de dois, três anos, unida e com mecanismos que começavam a dar frutos. Com um treinador capaz e emocionalmente inteligente, era possível a equipa estar motivada. Um treinador motivado, jovem, ambicioso, com vontade de mostrar trabalho, e de se questionar permanentemente. Um treinador com garra, capaz de agarrar no trabalho desenvolvido e motivar os jogadores. Não um treinador acomodado, perro de ginástica mental, agarrado a velhas crenças e princípios.
Não um treinador que, apoiado num currículo construído no comando de grandes jogadores, e em tácticas e métodos datados e obsoletos, ache que nada tem a demonstrar e, no alto da sua arrogância, se permita achar que nada tem a aprender e que quem o crítica não possui ‘cultura táctica’.
É triste que tudo isto aconteça num ano em que o segundo lugar garante o acesso à Liga dos Campeões. Soa a desperdício.

Tudo isto é particularmente óbvio. Percebe-se que admitir o erro é admitir, nalguma medida, o fracasso do projecto construído no início do ano pelo director desportivo. O que não pode acontecer é que, para proteger o orgulho de alguns que caíram no Benfica de páraquedas, se sacrifique a equipa e o mais valioso património que o clube tem: o imenso orgulho que os adeptos têm em ser do Benfica. Hoje a equipa nunca joga com garra, com querer, no comando do jogo.
Há que reconhecer o erro antes que seja tarde demais. A inteligência e perspicácia no comando e gestão de um clube (bem como noutra qualquer organização, mas num clube com maior ênfase, porque se vive permanentemente no curto prazo) vive muito da rapidez de raciocínio e de uma certa medida de humildade, que se traduz na rápida assunção e digestão dos erros, para se recomeçar o mais cedo possível. É urgente que isto se faça no Benfica, antes que haja um divórcio ainda maior entre os adeptos e a equipa. Os jogadores, no ano passado, bem dirigidos e motivados, deram uma boa resposta. Este ano vemo-los arrastarem-se no campo, sem chama. Até na baliza, o sector mais cimentado da equipa e onde temos o Moreira, o melhor guarda-redes português e que normalmente defende golos feitos, já não há certezas.

Há que nos devolver o orgulho de sermos do Benfica.


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