terça-feira, maio 24, 2005

 

Regresso a casa - Ser benfiquista

Como começar?
O que dizer? Como o dizer?
Acho que, neste momento, tudo o que sinto, todas as emoções que me assaltam o espírito se resumem, se confundem, se unem num singelo sentimento de orgulho. Orgulho de ser benfiquista. Orgulho e gratidão por ter o privilégio ímpar de pertencer a estes abençoados e bem aventurados 14 milhões.
O que significa ser benfiquista não se consegue traduzir em palavras. Pode-se tentar, mas tudo o que se disser ou escrever ficará sempre aquém, não conseguirá explicar na sua plenitude o que é viver com o Benfica na alma. Poder-se-á talvez, com calma, tentar contar alguns episódios, algumas situações exemplificativas do que é ser do Benfica. Pode-se contar como se jorraram lágrimas em catadupa antes do jogo por se ver e sentir a imensa fé desta alma colectiva que é este clube. Pode-se contar como se jorraram lágrimas no fim, como se soluçou compulsivamente, num grito interminável de libertação e alegria. Pode-se contar como o país inteiro, de norte a sul, estava vestido de vermelho, e pelo caminho até ao Porto se encontrou gente de coração vermelho nos viadutos sobre a auto-estrada esvoaçando cachecóis e bandeiras. Pode-se eventualmente contar como todas as estações de serviço eram casas do Benfica. Pode-se contar como o Porto era vermelho. Pode-se contar como, não aguentando ver os últimos 15 minutos, me deparei com gente que partilha o mesmo sofrimento lancinante nos corredores do Bessa, a sua alma pendurada por um fio. Um fio de esperança sobre o qual os jogadores do Benfica, papoilas saltitantes de camisolas berrantes, saltitavam, desafiando o destino. Pode-se contar como voltei a correr para as bancadas, não suportando estar longe da equipa. Pode-se contar como, nos festejos do título, gente com anos de sofrimento contido chorava como se a alma ameaçasse, por entre pontapés desesperados, sair do corpo.
Pode-se contar como ontem, vendo um programa na RTP1 que tentava explicar o que é esta estranha forma de vida, este doce sofrimento, isto de ser mais alto que nós próprios, isto de ser benfiquista, chorei durante alguns 45 minutos, ao ver os meus. A minha gente. A chorar, a celebrar, a ser eu, neles.
Pode-se contar como, no Estádio da Luz e pelos estádios desse país fora, nos abraçamos a aparentes estranhos que partilham a alma encarnada connosco, para depois nos apercebermos, em comunhão de sofrimento ou de alegria, que não são estranhos. Como o poderiam ser? São os nossos. A nossa gente. São filhos do Benfica, como nós. São amigos que não sabíamos que tínhamos, são companheiros reencontrados, são almas da mesma chama. A chama imensa. A chama intensa, que não se apaga nunca.
Pode-se contar tudo isto, e no entanto, nunca há-de chegar. Porque ser benfiquista, ser do Benfica, amar, sem reservas, a Águia, não se explica. Sente-se.
E nestas alturas, acreditem, sinto uma certa mágoa por algumas pessoas que me dizem muito não serem do Benfica. Porque, sentindo esta alegria maior que o Mundo, saboreando esta felicidade entranhada no corpo e na alma, e sabendo que só um benfiquista se sente assim, tenho pena que eles não a possam também sentir.
Ontem, no programa que referi, um programa sobre o Benfica, sobre o que é ser benfiquista, entrevistavam várias pessoas. Conhecidas, desconhecidas, velhos, novos, ricos, pobres. Às tantas, num café perdido algures neste mar imenso que é Portugal, entrevistam uma mulher. Meia idade, vestida de negro, semblante de sofrimento, parece uma encarnação do que é o fado. ‘E quando o Benfica perde?’. ‘Ah, quando o Benfica perde’, responde a mulher,’só tenho vontade de morrer.’ Percebo-a. Percebemo-la todos.
Morremos, mas não de verdade. Todos somos, como o Benfica, imortais.
E gostava de poder dizer à senhora, à mulher da entrevista: ‘estamos todos juntos nistos. Nunca está sozinha. E agora vá, vá para a rua. Porque o Benfica é maior que o Mundo e a hora é de celebrar e de ter vontade de viver.’

Agora que o Benfica volta ao seu lugar, todos nos sentimos como se voltássemos a casa. Como se, depois de uma longa e cansativa viagem pelos confins do Mundo, finalmente chegássemos à porta de entrada de casa e, com um suspiro maior que o Mundo, abríssemos a porta e sentíssemos a alma abraçada pela sensação etérea que é voltar.
Glorioso Benfica. O Benfica e a Glória foram feitos para estar juntos. É como se de um filme antigo se tratasse, como se fosse uma reconciliação entre amantes há algum tempo separados.
‘Olá, Glória’
‘Olá, Benfica. Como senti a tua falta.’
‘Eu sei. É bom estar de volta.’

BENFICA. GLORIOSO BENFICA.



p.s. no caminho para o Porto, algures na auto-estrada, fazíamos o caminho por entre um misto de boa-disposição e nervosismo crescente. Queria acreditar que toda aquela gente, todo aquele mar vermelho que enchia a estrada, as estações de serviço e os viadutos por sobre a estrada, não iria sofrer mais e iria finalmente celebrar o que perseguíamos.
Algures após a Mealhada, olho para cima, e vejo, recortada contra o céu azul, imponente e elegante, uma águia voar sobre nós. Na altura, ali, em viagem em direcção ao sonho, foi um sinal. E abracei no meu íntimo, com mais força, a esperança de que seríamos campeões.
Não sei se foi, de facto, um sinal, ou uma absoluta coincidência, ou se os meus olhos me traíram. Mas irei sempre acreditar que sim. E irei viver com essa certeza enterrada bem fundo na alma, desesperadamente agarrado a ela, como um amuleto, um sinal de que o Benfica é, na verdade, algo que nunca se conseguirá explicar.

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