terça-feira, março 07, 2006

 

007 - License to Win


Um aparte.

Já aqui manifestei anteriormente a minha admiração por Mourinho, que resulta de uma mescla de factores (entre os quais o episódio com a camisola do Sportem, que demonstra clarividência, e o facto de achar que o homem é benfiquista). Mas de uma forma concisa, acho que o que motiva a minha simpatia é a faceta Bondiana. Passo a explicar. O James Bond solta tiradas irónicas, goza ostensivamente com os adversários, gosta de passear a sua auto-confiança inabalável (que passa por arrogância), faz tudo isso com uma pose imperturbável e sem despentear um cabelo, é um estratega nato e sabe sempre o que fazer para sair das situações incómodas, tem uma sorte sobrenatural e no fim, por mais vicissitudes e peripécias mirabolantes por que passe, safa-se sempre. As mulheres cobiçam-no e os homens gostavam de ser como ele. 007 = Mourinho.
O que mais admiro em Mourinho é que diz que faz e acontece e tal, e depois, de facto, com uma pressão gigantesca em cima, faz e acontece e tal, como se a vida fosse um argumento cinematográfico (sendo essa a principal diferença para todos os Mourinhos wannabes que entretanto rebentaram por aí – falam, falam, mas não fazem nada). Tem de se admirar o homem.

Se há uma coisa que detesto é o politicamente correcto – é uma espécie de imenso mar cinzento onde gostam de nadar e onde se sentem seguros os moluscos invertebrados com a personalidade de um cabide que pululam por este mundo. E depois, detesto também as próprias componentes do termo: detesto a palavra ‘politicamente’ e detesto a palavra ‘correcto’ – a junção das duas, então, é um animal inominável, produto desta sociedade conformista e amorfa onde vamos vivendo em banho-maria.
À revelia do que é politicamente correcto, Mourinho diz o que lhe apetece, mesmo que saiba que isso não vai cair bem junto de uma série de gente. E, na maioria das vezes, diz a verdade, o que para as gentes de organizações proteccionistas como a UEFA, é normalmente uma dor de cabeça.
Hoje em dia, Mourinho é um personagem ‘larger than life’, o que em conjunto com o seu sucesso, o tornou o alvo preferido de invejosos e pervertidos reprimidos que passaram a juventude a vestir secretamente a roupa interior da mãe, como a maioria dos afectados e snobes jornalistas desportivos britânicos.
Vem tudo isto a propósito dos ataques a que Mourinho foi sujeito em Barcelona.
O Barcelona pode ser um dos maiores clubes do mundo, mas a sua massa associativa não é, certamente, das mais simpáticas, desportivistas ou dotadas de ‘fair-play’. Olhe-se para os abusos e insultos a que foi sujeito um indivíduo como o Figo. Há uma diferença entre apoiar a equipa até ao limite (como a inigualável massa adepta do Glorioso) e ser simplesmente arruaceiros, cobardes e porcos cuja única estratégia é insultar os outros. No fundo, a massa adepta do Barcelona é uma espécie de Super Dragões em ponto grande.
Posto isto, o que eu gostava mesmo era que o Chelsea eliminasse o Barcelona, para toda aquela gente ser obrigada a ver o Mourinho a festejar no relvado. Não acredito que isso aconteça, no entanto. O mais provável é que a equipa do Barcelona, atiçada pelos fanáticos nas bancadas, arrase.
Mourinho, por seu lado, e depois de toda a gente pensar que não colocaria os pés na rua com medo dos bárbaros culés, resolveu passear alegremente pelas ruas de Barcelona, como se não fosse nada com ele, e aguentar sozinho o que viesse. As gentes de Barcelona, incrédulas com tamanha ousadia, dividiram-se. Houve quem o insultasse, enquanto Mourinho, imperturbável, desfrutava do sol catalão. Mas também houve que reconhecesse a coerência e a frontalidade e o saudasse. Os jornais catalães assinalaram o facto e, num improvável artigo no 'El Mundo Deportivo' intitulado ‘Mourinho, a lo Gary Cooper’, um jornalista culé regista como Mourinho, como se de Gary Cooper se tratasse, se afastou dos seguranças para aguentar estoicamente o que viesse: ‘el actor principal no podía esconderse tras los secundarios. Mourinho no lo hizo y continuó recibiendo insultos, pero también los saludos y aplausos de la gente que se cruzaba en su camino. Sí, porque aunque parezca mentira, el portugués se cansó de firmar autógrafos y hacerse fotos con todo aquel que se lo pedía.’

Como numa das mirabolantes aventuras do James Bond, gostava que o Mourinho fosse, mais uma vez, o vencedor logo à noite. Mas seja qual for o resultado, o papel principal, esse, ninguém lho tira.

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