quarta-feira, novembro 22, 2006

 

Uma questão de mentalidade

Devo dizer que o jogo de ontem me deixou irritado como ainda não havia ficado esta época (num segundo lugar, muito perto, vem o jogo em Copenhaga). Mais do que a maioria dos jogos que perdemos. E o que é me irrita, perguntam vocês (voltamos ao mesmo: já vos disse que não é preciso responderem, é o tal mecanismo para embelezar o texto…)?
Irrita-me, acima de tudo, a falta de respeito da maior parte da equipa (equipa técnica incluída) por mim e por toda a gente que vive com o Benfica na alma.

Irrita-me que, perante a constatação de tamanha superioridade (essencialmente por força da fragilidade do Copenhaga - que são basicamente uns cepos, sejamos honestos), a equipa faça o essencial e depois entre em modo de economia. Irrita-me a displicência, a sobranceria, a falta de ambição, o conformismo, a falta de chama. Irrita-me que falte ao Benfica o Benfica. Irrita-me que a equipa encare 45 minutos de jogo como um ‘frete’ que tem de sofrer, quando tem nas bancadas gente sôfrega de futebol.
É um sentimento desajustado, será um exagero da minha parte (livrem-se de responder, acho que já está mais ou menos assente que não faz sentido), face à vitória e ao resultado? Não, não é.

E não o é porque nenhuma das pessoas que normalmente carrega a equipa ao colo no Estádio da Luz (e só assim é que se explica que assumam o jogo em casa, e fora joguem como uma equipa de rapazinhos amedrontados e desorientados) pagou bilhete ou comprou cativo para ver metades de jogos. Apoiamos a equipa durante todos os jogos, muitos de nós sofrem sacrifícios (de natureza monetária, familiar, profissional ou de qualquer que seja) para lá estar, sofremos do primeiro ao último minuto, vivemos intensamente todo o jogo. O mínimo que esperamos, e a que temos direito, é que joguem durante todo o tempo regulamentar com a paixão, querer e vontade que se exige a quem enverga a camisola cor de sangue.
Não admito que, chegando a 3-0, de repente se tire o pé do acelerador e se ache que ‘bom, já chega. O trabalho está feito, agora é aturar o frete’.
É criminoso amordaçar a capacidade, o querer, a vontade e matar o espectáculo em nome de um conformismo bacoco, porque ‘já não se ganham jogos por 6 ou 7 a 0’, segundo diz o cinzento do nosso Engenheiro. Não seria objectivamente moralizador, não constituiria uma façanha ganhar, por exemplo, por 6-0? Não motivaria a equipa, não galvanizaria os adeptos, não faria furor na Europa, não seria motivo de orgulho, não elevaria ainda mais o nome do Glorioso, não catapultaria a equipa para outro nível de confiança?
A displicência e sobranceria com que enfrentaram toda a segunda parte resultou num golo sofrido absolutamente escusado e num final de partida perfeitamente evitável que nos podia ter saído caro. É o que acontece a quem, ao invés da audácia, abraça o conformismo.
Cada uma das pessoas que está nas bancadas pagou para ver a sua equipa a jogar futebol, para assistir a um espectáculo desportivo. E como se costuma dizer, o golo é a festa do futebol, é o culminar do esforço que as equipas fazem em campo. Não passaria pela cabeça de ninguém assistir a um jogo onde as equipas apenas mastigariam o tempo a passar bolas entre os jogadores, num bocejo interminável. Ontem, a equipa técnica e os jogadores decidiram que 37 minutos de espectáculo chegavam. Não o admito.

Adicionalmente, não faria sentido, tendo o jogo ganho, refrescar a equipa e dar oportunidade a elementos menos utilizados para provar o seu valor, dada a qualidade do banco (universalmente reconhecido como o melhor dos últimos anos)? Não faria sentido dar minutos ao Kikin Fonseca?
Aparentemente, a equipa técnica não acha, porque fez exactamente as mesmas substituições que costuma fazer e como habitualmente, apenas no final do jogo. Fará sentido isto? Será uma gestão acertada das expectativas e motivações do plantel com mais soluções dos últimos anos? É coerente com a perspectiva de apenas controlar o jogo? Não, não e não, respectivamente.

Reparem, tudo isto me irrita sobretudo porque acho que esta atitude está intimamente associada à explicação fundamental das derrotas e dos jogos menos conseguidos. Não me irritaria tanto se achasse que era apenas uma coisa isolada, um mero jogo encarado de forma menos séria ou profissional. Não. Isto irrita-me porque denuncia uma mentalidade, uma atitude que preside à forma como a equipa é gerida emocionalmente e que lhe retira a capacidade de ser temida e de ser temível. Se não temos killer instinct nestes jogos, se não os aproveitamos para afiar as garras, afinar as movimentações ofensivas, viciar a equipa em golos, jogar o futebol pelo futebol, então quando o faremos? É este retraimento, esta incapacidade de abraçar o destino na sua plenitude que acaba por diminuir psicologicamente a equipa e a torna incapaz de resistir às adversidades de jogar fora de casa. E isto, meus amigos, é trabalho que tem que ser feito pela equipa técnica. Blindar a equipa emocionalmente, dar-lhes espírito de luta, capacidade de resistência a adversidades inesperadas, instinto assassino. Isto atinge-se ganhando estes jogos de forma inapelável, sem contemplações, sem fazer prisioneiros. Se tivéssemos esse instinto assassino, se calhar teríamos ganho o jogo em Copenhaga (que provavelmente nos vai custar a passagem à próxima fase da Liga dos Campeões), teríamos ganho ao Celtic em Glasgow, teríamos goleado o Celtic na Luz e não teríamos perdido o jogo no Estádio do Porcalhão. E não me venham com a cantiga de que é normal a gestão do jogo, e que os jogadores naturalmente relaxaram a partir daí, e por aí fora. Cumpre exactamente à equipa técnica lutar contra isso e gerir a equipa do ponto de vista psicológico.

Apenas uma nota final que tem a ver com a minha forma de viver o Benfica (e, felizmente, a da maioria). Apesar de tudo o que atrás escrevi, nunca, mas nunca na vida me ouvirão a assobiar ou apupar a equipa. Não entendo quem o faz, não percebo como isso se enquadra na cultura benfiquista. A esses, sugiro que façam esse tipo de figuras em casa.

E era mais ou menos isto. Irritei-me. Pronto. Nos próximo jogo, lá estarei, com a disponibilidade própria de quem acredita, sempre.


p.s.1 Mencionei a ‘maior parte’ da equipa, porque jogadores houve que se manifestaram claramente inconformados durante o tempo que estiveram dentro de campo, como o Miccoli, de quem sou admirador confesso, e o Léo. São ambos, ironicamente, muito grandes.

p.s. 2 Para todos os filhos de pais incertos da imprensa e aves agoirentas mal intencionadas que já lançaram mais um mito sobre a suposta ‘fraquíssima’ assistência do jogo de ontem na Luz (especialmente os proxenetas do Record, que até brindaram os leitores com um pseudo-artigo intitulado ‘Onde páram os adeptos?’) e já começaram a vomitar teorias sobre como os benfiquistas não acudiram ao apelo, e blá blá blá, etc, etc, fiquem a saber que a assistência ontem foi de 37.179 pessoas. É pouco? Será, para a bitola a que o Benfica habituou este país medíocre. É insuficiente, para a Grandeza do Benfica? Será. Mas será uma fraca assistência? Não, não é.
E é, ainda assim, superior nuns bons milhares à melhor assistência da época dessa clubeta ridícula do Lumiar (que no jogo com o Inter, o mais importante em casa para a Liga dos Campeões, nem 32.000 macacos lá teve). Mas isto, claro, o jornal não oficial do Sportem não lhe apetece referir. Cambada de proxenetas, prostitutas e rui santos (passe a redundância).

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